sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Brasileiros criam projeto para estimular circulação de livros via internet

Nem só de redes sociais, notícias em tempo real e conversas instantâneas é feita a internet. Mesmo com vocação para o fluxo contínuo de informações, a web também é uma plataforma que colabora para a solidificação de hábitos nem tão recentes assim, entre eles, o da leitura. Foi pensando nisso que dois amigos criaram o projeto Livro Livre, que pretende tirar obras de estantes empoeiradas e levá-las à população sem acesso a esse tipo de ferramenta.

A ideia surgiu na Festa Internacional Literária de Paraty (Flip) de 2008. Ao participarem da feira, o hacker Pedro Markun e a jornalista Isabel Colucci ficaram surpresos com a ausência de livros na cidade. “Havia uma livraria do evento, mas a população local participava pouco da festa. Os moradores não estavam familiarizados com o assunto”, diz Isabel. A dupla, então, foi a um sebo e comprou 500 títulos, que foram doados aos moradores de Paraty. Cada livro continha uma etiqueta com instruções que começavam com o seguinte aviso: “Este livro não é um presente!”.

Na etiqueta elaborada por Pedro e Isabel, havia também um código, referente ao cadastro da obra no site www.livrolivre.art.br. O verso da capa recomendava, ainda, que o usuário entrasse na página e postasse suas opiniões sobre a obra depois da leitura. Além disso, o leitor deveria deixar o título em algum lugar público e avisar aos outros internautas sobre a “libertação”. A ideia dos dois amigos era fazer com que o caminho percorrido pelos livros livres fosse acompanhado por todos.

Pedro Markun conta que, a princípio, o projeto seria temporário e voltado apenas aos 500 títulos doados durante a Flip de 2008. “Mas o trabalho ganhou dimensão. Uma semana depois, eu recebi um e-mail de um senhor do Nordeste elogiando a iniciativa e avisando que ele também queria libertar os seus livros”, lembra Pedro. Atualmente, o site tem 5,4 mil obras cadastradas e espaço para troca de experiências entre internautas.

“O site existe para unificar e dar coesão ao projeto. As pessoas costumam perguntar onde podem achar determinada obra, nos dizem onde encontraram algum material ou onde vão deixá-lo”, enumera Isabel Colucci. “A internet é a espinha dorsal da iniciativa, ela permite que os objetivos cheguem a uma camada ainda maior. Existem muitas pessoas no Brasil que distribuem livros, mas há pouco espaço para a discussão desse trabalho”, completa Pedro.

O hacker planeja um futuro ainda mais ambicioso para o Livro Livre: a integração com plataformas móveis, como celulares e tablets. “Assim o projeto vai realmente deslanchar. Vai permitir que as pessoas encontrem um livro no metrô, por exemplo, e avisem à rede por SMS ou via Twitter”, exemplifica. “Não parece, mas hoje o tempo que a pessoa leva até chegar ao computador já é considerado longo.”

Inspiração
O Livro Livre não é uma ideia genuinamente nacional. Pedro e Isabel se inspiraram no Bookcrossing, rede com cerca de 600 mil usuários já bastante difundida na Europa e nos Estados Unidos. O Bookcrossing funciona tal qual um Orkut ou Facebook: é possível criar um perfil e participar de comunidades e fóruns, inclusive em língua portuguesa. Por que, então, não importar a ferramenta para o Brasil em vez de criar um site semelhante por aqui?

Pedro explica que há duas razões: uma pragmática e outra “filosófica”. “Eu tive uma semana para colocar esse projeto no ar. Na época, o Bookcrossing não oferecia uma tradução satisfatória para o português e, querendo ou não, a barreira do idioma ainda é um problema. Ainda mais para o público que nós queríamos atingir”, esclarece.

Além disso, a essência do projeto estrangeiro é outra. O Bookcrossing surgiu como um clube de leitura. As pessoas entram e se cadastram para participar de atividades lúdicas, basicamente. “Mas no Brasil, onde o índice de analfabetismo funcional é gigante, não dá para fazer um projeto simples assim. A iniciativa precisa ter um caráter de militância e engajamento social para dar certo”, reforça Pedro. O hacker afirma que ainda é difícil convencer os tradicionais leitores brasileiros — geralmente, a elite das classes A e B — a doarem seus livros. Ele próprio sofreu antes de doar seus mais de 2 mil títulos. “Mas isso precisa ser quebrado. Ninguém ganha nada mantendo pilhas de livros com poeira na estante.”

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